Jorge Bergoglio, o ‘Papa dos pobres’. Francisco, fanático por futebol, via o desporto como ferramenta de união

“Às 07:35 desta manhã [06:35 em Lisboa], o bispo de Roma, Francisco, regressou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e da sua Igreja”. Foi dessa forma que o Vaticano anunciou, através do cardeal Kevin Ferrell, a morte do Papa Francisco, aos 88 anos.

A sua última aparição pública aconteceu no domingo de Páscoa, quando apareceu na varanda da Basílica de São Pedro para abençoar os milhares de fiéis ali reunidos, que o saudaram com vivas e aplausos.

Para a história ficam 12 anos de uma liderança assente na tolerância e na moderação, na luta contra os extremismos e populismos nacionalistas, num pontificado marcado pelo combate aos abusos sexuais, guerras e uma pandemia.

Jorge Bergoglio, o primeiro Papa da América do Sul e o primeiro Jesuíta a liderar a Igreja Católica, era um fervoroso adepto de futebol.

FOTOS: Ligação de Papa Francisco ao futebol

Uma infância a ver o melhor San Lorenzo de sempre

Nascido no bairro das Flores, em Buenos Aires, Jorge Bergoglio foi o primeiro de cinco filhos de Mario Bergoglio, um emigrante italiano de Piamonte que fugiu do fascismo, e de Regina María Sívori, também ela filha de emigrantes italianos na capital argentina.

Apaixonou-se pelo futebol, como todos os miúdos do seu bairro, e tornou-se num fervoroso adepto do San Lorenzo. Nas ruas, com os amigos, não exibia talento, mas queria jogar como todos.

“Sempre gostei do futebol. Era-me indiferente não ter talento. Em Buenos Aires, os que não tinham talento eram chamados de ‘pata dura’ [pernas de pau em português], como que ter dois pé esquerdos. Mas jogava e às vezes ia para a baliza”, contou, o Papa Francisco na sua autobiografia ‘Esperança’, lançado em 2025, escrita pelo jornalista italiano Carlo Musso, a partir de conversas com Jorge Bergoglio.

Enquanto jogava com amigos nas ruas, o menino Jorge sonhava com Rinaldo Martino, René Pontoni e Armando Farro, o tridente ofensivo do San Lorenzo de 1946, daquela equipa apelidada de ‘Ciclón [ciclone], pela forma como levava tudo à frente. Essa equipa campeã argentina, que fez uma digressão por Espanha e Portugal a seguir, viveu até ontem no imaginário do Papa Francisco. Com nove anos, o pai levou-o a ver quase todos os jogos no Velho Gasómetro, antigo estádio dos ‘corvos’.

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“Vi quase todos os jogos em casa nesse campeonato de 1946, que ganhámos poucos dias antes de eu fazer 10 anos e, 70 anos depois, recordo-me daquela equipa como se fosse ontem: Blazina, Vanzini, Basso, Zubieta, Greco, Colombo, Imbelloni, Farro, Martino, Silva… os dez magníficos e depois… Pontoni. René Alejandro Pontoni, o avançado-centro, o goleador do San Lorenzo, aquele que carregava o ‘Ciclón’, o meu preferido”, recordou, na sua autobiografia.

O fervoroso Jorge Bergoglio teria de esperar até 2014 para ver o seu San Lorenzo tocar o céu, ao vencer a sua primeira Taça Libertadores da sua história. Um título conquistado diante do Nacional do Paraguai (2-1 no conjunto dos dois jogos da final), 10 meses depois de Jorge Bergoglio ser eleito líder da Igreja Católica.

Dez anos depois, o máximo troféu da América do Sul foi enviado por Matías Lammens, presidente do clube entre 2012 e 2019, ao Vaticano, para que o Papa Francisco pudesse ver até onde tinha chegado o seu San Lorenzo, um clube fundado pelo padre Lorenzo Massa.

Mas não foi apenas o San Lorenzo a dar-lhes alegrias. Nos seus 88 anos, viu a Argentina ganhar três Mundiais, Argentina 1978, México 1986 e Qatar 2022, o último já com Jorge Bergoglio como líder máximo da Igreja Católica.

O “poeta” Maradona e o “corretíssimo” Messi

Em março de 2013, quando o cardeal argentino jesuíta Jorge Mario Bergoglio, então com 76 anos, foi eleito pelos 115 cardeais reunidos em Roma para se tornar no 266.º Papa da Igreja Católica, Diego Armando Maradona não deixou de ironizar a sua eleição com o golo que marcou com a mão, conhecido até hoje como a ‘Mão de Deus’.

Na altura, Maradona, que morreu em novembro de 2020, reconheceu que a “mão de Deus” tinha voltado a estar ao serviço da Argentina, desta vez não para marcar golos, mas para eleger o novo Papa.

“Que alegria! No meu país a ‘mão de Deus’ já trouxe um Papa argentino”, ironizou, na altura, Maradona numa crónica para o diário italiano Il Messagero, estabelecendo um paralelo entre a eleição do seu compatriota Jorge Bergoglio como Bispo de Roma e o golo que marcou com a mão frente à Inglaterra no Mundial do México de 1986.

O Papa Francisco viu como Maradona arrastava multidões, como era amado por todos. Em 2021, numa entrevista ao jornal italiano ‘La Gazzeta dello Sport’, disse que Maradona “era um poeta em campo, um campeão que deu alegrias a milhões de pessoas, na Argentina como em Nápoles.

Também ele entrou na ‘guerra’ sobre quem terá sido o melhor de todos os tempos: Maradona ou Messi? O Papa Francisco deixou os seus conterrâneos de lado e escolheu Pelé.

“Maradona ou Messi? Eu acrescentaria um terceiro, Pelé. Eu escolheria estes três. Maradona foi enorme falhou como homem. Messi é corretíssimo, um senhor. Mas, para mim, destes três, o melhor foi Pelé”, disse, numa entrevista à televisão ‘Rai’ de Itália.

De Messi, guarda a simplicidade do atual jogador do Inter Miami. Em 2021, o craque argentino enviou-lhe uma camisola autografada do PSG, logo após assinar pelo emblema parisiense. O Papa Francisco ficou feliz pela lembrança: “

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“Prezado irmão, agradeço a camisola que me enviou e a sua dedicatória, sempre com a sua simplicidade. Obrigado pela sua proximidade, obrigado pelo seu testemunho e por manter a simplicidade”, disse Francisco num vídeo divulgado pela agência de notícias argentina Telam.

Durante o seu pontificado, recebeu vários dirigentes, desportistas e equipas no Vaticano. E todos saíam felizes do encontro com o líder máximo da Igreja Católica.

Desporto como ferramenta de união

Em várias ocasiões, o Papa Francisco destacou o desporto como ferramenta para construir uma sociedade melhor.

“O desporto é um meio de expressão de talento, mas também de construção de uma sociedade. O desporto ensina-nos o valor da fraternidade. No campo, não interessa a origem, a língua, ou a cultura da pessoa. Importa, sim, o compromisso e o objetivo comum. Esta unidade no desporto é uma metáfora poderosa das nossas vidas. Recorda-nos que, apesar das nossas diferenças, somos membros da mesma família humana”, disse, nu,a entrevista à Rai em 2024.

Em 2017, numa mensagem gravada para ser difundida durante o Superbowl, da NFL, desejou que a final fosse “um sinal de paz, amizade e solidariedade para todo o mundo”.

“Quando participamos num desporto, somos capazes de ir mais além dos nossos interesses egoístas e aprendemos, de forma saudável, a sacrificarmos e crescermos na fidelidade e no respeito pelas regras”, declarou.

No mesmo ano pediu aos futebolistas que sejam exemplo para os seus adeptos

“Considerando o fascínio e a influência que o futebol profissional tem sobre as pessoas, especialmente entre os jovens, tendes uma enorme responsabilidade”, disse, na altura, Francisco, durante uma audiência que manteve com jogadores da Juventus e da Lazio, antes da final da Taça de Itália.

Em 2018 elogiou a decisão das duas Coreias desfilarem sob a mesma bandeira, durante a abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, considerando tratar-se de um exemplo de esperança para a resolução pacífica de conflitos. Na altura, destacou ainda a capacidade do futebol em construir pontes entre países em conflito.

*Com Lusa

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