Carros elétricos: Pagamentos diretos e mais concorrência chegam à rede de carregamento. Como funciona?

Portugal foi pioneiro na adoção de veículos elétricos e no desenvolvimento de uma infraestrutura pública de carregamento e entra agora numa nova fase com a aprovação do novo Regime Jurídico da Mobilidade Elétrica (RJME). A proposta, que substitui o Decreto-Lei 39/2010, foi aprovada em Conselho de Ministros a 31 de julho de 2025, no âmbito da Reforma do Estado, após consulta pública.

Com esta alteração, o Governo pretende simplificar o carregamento, abrir o setor à concorrência privada, e alinhar-se com as novas regras europeias, nomeadamente o Regulamento (UE) 2023/1804 sobre combustíveis alternativos (AFIR).

Quais são os principais objetivos do novo RJME?

O novo regime assenta em cinco pilares fundamentais:

Simplificação: Torna o processo de carregamento tão intuitivo quanto abastecer num posto de combustível tradicional.Liberalização: Permite a entrada de novos operadores e retira a exclusividade à Mobi.E, promovendo mais oferta e preços mais competitivos.Inovação e Digitalização: Estimula soluções tecnológicas mais avançadas e um ecossistema digital mais eficiente.

Transparência: Impõe a apresentação clara e visível dos preços praticados por kWh, diretamente nos postos.

Alinhamento com a Europa: Cumpre o regulamento AFIR, permitindo pagamentos ad hoc e tornando a infraestrutura portuguesa compatível com o mercado europeu.

Fim dos contratos obrigatórios e pagamentos diretos no local

Uma das mudanças mais significativas do RJME é o fim da obrigatoriedade de contratos com Comercializadores de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica (CEME). Até agora, quem quisesse carregar um carro elétrico num posto público precisava de ter contrato com um operador.

Com o novo regime, os utilizadores poderão pagar diretamente nos postos de carregamento, com opções como cartão bancário, MB Way ou QR Code. Além disso, os postos com potência igual ou superior a 50 kW passam a ser obrigados a aceitar pagamentos com cartão físico no local.

Mais liberdade para os utilizadores e maior concorrência no setor

O modelo centralizado com gestão da Mobi.E deixa de ser obrigatório, promovendo um mercado mais livre
e reduzindo custos de intermediação. Os utilizadores deixam de estar “presos” a fornecedores específicos ou a limitações regionais — poderão carregar em

Os preços por kWh passam a ser obrigatoriamente apresentados nos postos, tal como acontece com os combustíveis fósseis. Esta medida pretende facilitar a comparação entre fornecedores e reforçar a transparência no setor, promovendo escolhas mais informadas.

Portugal mantém posição de liderança na mobilidade elétrica

Com o novo regime, Portugal dá um passo decisivo para manter o seu papel pioneiro na mobilidade elétrica, garantindo uma infraestrutura mais competitiva, simples e adaptada às exigências do mercado europeu. O alinhamento com o Regulamento AFIR posiciona o país como destino atrativo para investimento e como modelo de transição energética a nível europeu.

O novo regime prevê igualmente a apresentação obrigatória dos preços (por kWh) praticados por cada posto, de forma semelhante ao praticado nos postos de combustíveis. Ao mesmo tempo, esta liberalização da rede permite eliminar anteriores limitações geográficas e contratuais, já que todos os utilizadores passam agora a poder carregar em qualquer posto, independentemente do fornecedor de energia.

Veja o quadro comparativo

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Há diferenças reais nos preços?

Embora não tenham sido fornecidos valores específicos ou percentagens reais de redução dos preços, com a redução das taxas em vigor, podemos simular valores tendo em conta a forma como os custos atuais são compostos.

Atualmente, um carregamento na rede pública Mobi.E é composto por quatro parcelas distintas, a Parcela de Energia (CEME), que é o custo da eletricidade fornecida pelo comercializador de eletricidade, a Parcela de Utilização do Posto (OPC), que é o custo cobrado pelo operador do posto, a Tarifa EGME, que cobre os custos da Entidade Gestora da Mobilidade Elétrica (Mobi.E) e a taxa de IVA de 23% sobre o valor final.

Simulando o carregamento de uma bateria de 64 kWh num posto de carregamento público de baixa tensão (BT) em horário fora de vazio, este seria composto pelos seguintes valores:

Tarifa de Energia (CEME): Assumindo um valor médio de 0,1480 €/kWh.64 kWh * 0,1480 €/kWh = 9,47 €Tarifa de Acesso às Redes (TAR – BT, fora de vazio): 0,1170 €/kWh.64 kWh * 0,1170 €/kWh = 7,49 €Imposto Especial sobre o Consumo (IEC): 0,001 €/kWh.64 kWh * 0,001 €/kWh = 0,06 €Subtotal Parcela de Energia: 9,47 € + 7,49 € + 0,06 € = 17,02 €Tarifa do Operador do Posto de Carregamento (OPC): Este valor varia muito. Para esta simulação, vamos assumir um custo hipotético de 0,05 €/kWh pela utilização do posto.64 kWh * 0,05 €/kWh = 3,20 €Tarifa EGME (fixa por carregamento em 2025): 0,31 €/carregamento.0,31 €Subtotal antes de IVA: 17,02 € (Energia) + 3,20 € (OPC) + 0,31 € (EGME) = 20,53 €IVA (23%): 20,53 € * 0,23 = 4,72 €

Custo Total Estimado no Modelo Atual (Mobi.E): 20,53 € + 4,72 € = 25,25 €

Através da aplicação do novo regime, as taxas atualmente cobradas não serão essencialmente eliminadas, mas serão integradas para um valor único, à semelhança do que acontece com os combustíveis fósseis.

A Tarifa de Energia cobrada pelo CEME desaparecerá, porém, o custo da eletricidade consumida continuará a ser paga. O mesmo acontecerá à Tarifa de Acesso às Redes, que desaparecerá enquanto parcela, mas o custo será integrado ao custo da eletricidade consumida no valor final do carregamento.

Segundo os dados, a Tarifa do Operador do Posto de Carregamento continuará a existir, mas espera-se que o seu valor venha a reduzir com o aumento da concorrência. Já a Tarifa EGME, a que é paga à Mobi.E, essa sim, será eliminada. As parcelas correspondentes a impostos ao Estado, o IEC e o IVA, esses permanecerão presentes às taxas atualmente em vigor.

Ou seja, na realidade, dos 25,25€ que simulámos para o carregamento de uma bateria de 64 kW em circunstâncias ideais, neste momento apenas se consegue confirmar que esse valor irá ser reduzido para 24,94€, resultado da eliminação da Taxa EGME, que corresponde a 0,31€ por carregamento. Tudo o resto é, até ao momento, pura especulação.

Oportunidades para novos instaladores e operadores

Este novo regime abre a porta a possíveis oportunidades de negócio, uma vez que foi eliminada a licença obrigatória anteriormente necessária para a instalação de postos de carregamento. Isto permitirá reduzir significativamente a burocracia, assim como o tempo de implantação de novas estações de carregamento.

Os Operadores de Postos de Carregamento (OPC) ganham agora maior autonomia para gerirem os seus postos, uma vez que com o fim da obrigatoriedade de estarem ligados a uma rede única gerida pela Mobi.E, torna-se possível utilizar energia de autoconsumo diretamente no local de carregamento, como a energia proveniente de painéis solares.

Espera-se que com esta liberalização do mercado, a rede de carregamento em território nacional possa crescer, assim como a concorrência entre operadores. Os novos postos de carregamento em áreas concessionadas, como as autoestradas, serão atribuídos através de concursos públicos obrigatórios, estimulando assim a competitividade.

Igualmente importante será a alteração do modo de pagamento dos postos. Qualquer posto de carregamento com potência igual ou superior a 50 kW terá de disponibilizar um terminal de pagamento direto com cartão bancário. Já os postos com menor potência devem, no mínimo, permitir métodos eletrónicos de pagamento alternativos, como o sistema MB Way.

E o caso da rede Tesla Supercharger?

A rede Tesla é um caso particular, visto ser uma rede anteriormente exclusiva para reforçar a venda de veículos eléctricos de um só fabricante, e que tinha como principal objetivo dar confiança aos condutores de Teslas, e ao mesmo tempo compensar a escassez de infraestruturas públicas.

Desde o primeiro posto inicialmente inaugurado em 2017, o Supercharger em Fátima, que a implementação da rede Supercharger em Portugal estagnou, sendo apontadas como principais razões a elevada burocracia administrativa, além de problemas relacionados com a ligação à rede elétrica e a incompatibilidade do modelo de negócio com as limitações impostas pela rede Mobi.E.

Segundo informações prestadas pela UVE (Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos), estão em funcionamento os seguintes postos Tesla:

Alcácer do Sal: 10 postos de 150 kWAlcantarilha: 8 postos de 150 kWLoulé: 8 postos de 250 kWFátima: 14 postos de 150 kWGuarda: 8 postos de 150 kWMealhada: 20 postos de 150 kWMontemor‑o‑Novo: 8 postos de 150 kWRibeira de Pena: 10 postos de 150 kW

Apesar desta estagnação, a Tesla pretende, agora com a implementação do novo RJME, construir novos postos da rede Supercharger, que terão como principal vantagem utilizarem carregadores de nova geração, capazes de debitar até 250 kW de potência.

Estão previstos 12 postos em Matosinhos (MAR Shopping), 8 postos em Castelo Branco (Fórum Castelo Branco), em Lisboa (próximo de São Domingos de Rana) e outras localidades ainda por anunciar, como Lisboa, Portimão, Leiria, Porto e Guimarães. No total, a Tesla planeia inaugurar 100 novos postos nesta nova fase de expansão da sua rede Supercharger.

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