Cinco meses. Foi quanto durou o reinado de Martín Anselmi no Dragão. O treinador argentino de 39 anos foi afastado do comando técnico do FC Porto, após o fiasco que foi a participação portista no Mundial de Clubes, onde o clube da Invicta foi o pior dos 12 representantes da Europa.
Um despedimento há muito pedido no seio do Dragão, pela falta de evolução da equipa desde janeiro, quando foi anunciado.
Anselmi sai com menos de 50 por cento de vitórias, uma vez que venceu apenas 10 dos 21 jogos disputados ao comando dos azuis e brancos: empatou seis e perdeu cinco, tendo a equipa marcado 32 golos e sofrido 25.
Nos jogos com equipas mais difíceis, não ganhou nenhum: empatou em casa com Sporting, Vitória SC e Roma, perdeu no Dragão com Benfica, e fora com SC Braga, Roma e Inter Miami.
O técnico argentino foi apresentado no dia 27 de janeiro de 2025 para ocupar o lugar de Vitor Bruno, afastado no dia 19 de janeiro, após uma derrota por 3-1 para a I Liga, em Barcelos, frente ao Gil Vicente, a terceira seguida dos azuis e brancos.
Estreia com vitória numa equipa em 3-4-3
“Temos confiança de que és a esperança viva que ambicionamos para o nosso clube, o líder que precisávamos”. Foi dessa forma que André Villas-Boas, presidente do FC Porto, iniciou a apresentação de Martín Anselmi, no Estádio do Dragão.
AVB prometia um “futebol ofensivo, agressivo”, capaz de “encher de alma os adeptos do FC Porto”, com Martín Anselmi. A ideia era quebrar com o passado recente, apostando num técnico com ideias arrojadas, novas. Mas havia um problema: iria Anselmi conseguir implementar as suas arrojadas ideias, no 3-4-3, perante uma equipa tão frágil a nível de qualidade, e que tinha acabado de perder dois dos principais jogadores (Nico González para o Manchester City e Galeno para o Al Ahli da Arábia Saudita)?
A estreia vitoriosa na Sévria (1-0), diante do campeão israelita Maccabi Telavive, para a oitava e última jornada da fase de liga da Liga Europa, que apurou o FC Porto para o play-off de acesso aos oitavos de final, revelou algumas ideias do treinador, mas também o que iria enfrentar para as implementar, perante um plantel que não foi escolhido por si, e ainda pela falta de treinos.
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Depois de sete épocas com Sérgio Conceição, a jogar em 4-4-2 e algumas vezes em 4-3-3, (Vítor Bruno instituiu o 4-3-3 ou 4-2-3-1), a equipa mostrou fragilidades na adaptação às novas ideias. A equipa era incapaz de controlar a profundidade e sofria muitos ataques com bolas nas costas da defesa, muitas vezes descoordenada.
Defensivamente, a equipa até melhorou em alguns momentos, mais pelo número de jogadores que colocava no processo defensivo.
Eustáquio passou a jogar entre os dois centrais, fazendo o terceiro homem do centro defensivo, em detrimento de jogadores como Otávio, uma ‘bomba-relógio’ em campo pelos muitos erros cometidos. Tiago Djaló, emprestado pela Juventus, nunca convenceu. Nehuén Perez, o maior investimento na defesa, estava igual aos colegas: erros e mais erros comprometedores.
O FC Porto sofria muitos golos após erros individuais, muitos deles não forçados, como se viu no empate 2-2 com o Rio Ave, com golos ‘oferecidos’ por Otávio e Nehuén Pérez. Os jogadores nunca se mostraram confortáveis com as ideias do argentino, principalmente quando pressionados. A equipa tinha dificuldades claras em controlar os jogos com bola, porque perdia-a muito facilmente.
Ao longo dos jogos, Anselmi foi variando, atuando às vezes em 4-3-3, 4-4-2, quando a equipa precisava de marcar.
A falta de jogadores criativos e capazes na tomada de decisão na zona intermédia mas também nas alas não ajudaram o ataque do FC Porto. Samu, está longe de ter o perfil exigido por Anselmi no avançado-centro: alguém capaz de jogar de costas para a baliza, que sirva de referência e seja capaz de receber e ligar com os médios. O espanhol não tem (ainda) qualidades técnicas para essa função, é um jogador mais explosivo, de ataque ao espaço.
Marcano, de regresso após longa paragem por lesão, assumiu-se como elemento mais importante do sector defensivo, aos 38 anos. Mas sozinho nada podia fazer. Os muitos erros individuais era castigados, principalmente quando a equipa apanhava jogadores de qualidade. A goleada sofrida em casa diante do Benfica por 4-1 deixou isso a nu, assim como os desaires diante da Roma e do SC Braga.
Ofensivamente, a equipa viveu muitos dos rasgos individuais de Rodrigo Mora, jovem de 18 anos (tinha 17 anos quando Anselmi lançou-o no onze), o único ponto positivo nestes cinco meses de Anselmi. O prodígio criativo portista foi resolvido vários problemas ofensivos da equipa, como se viu diante do AFS SAD, Casa Pia, Estoril, Boavista, Famalicão e Nacional.
A colocação de Fábio Vieira no meio-campo, ao lado de Alan Varela, ou numa das alas, tirou o criativo emprestado pelo Arsenal longe das suas zonas de maior influência.
Com Anselmi, nenhum jogador melhorou a sua performance, a nível individual, à exceção de Rodrigo Mora. Alan Varela tem estado muito mal no meio-campo, com erros que não tinha evidenciado até agora. Otávio está longe de ser o central que o FC Porto viu em Famalicão. Pepê nada tem acrescentado à equipa (esteve sete meses sem marcar e seis meses sem estar envolvido num golo), os jovens Gonçalo Borges, Namaso, Deniz Gul e ainda André Franco também não se mostraram.
Faltou ADN Porto
Um dos problemas de Martín Anselmi foi nunca ter conseguido uma ligação com os adeptos. Chegou com o FC Porto em 2.º lugar, com os mesmos 41 pontos do Benfica e a seis do líder Sporting de ainda com a hipótese de ganhar pontos aos rivais quando os recebesse em casa.
Mas o melhor que conseguiu foi evitar a derrota diante do Sporting com um golo de Namaso nos descontos. Pior, foi goleado em casa pelo Benfica no Dragão por 4-1, um resultado que não se via no seio do FC Porto desde 1944/45, ano em que que os encarnados venceram por 4-3 no terreno do FC Porto.
Acabou a Primeira Liga a 11 pontos do campeão Sporting e a nove do Benfica, numa ponta final onde esteve a lutar com o SC Braga pelo terceiro posto. Os Minhotos até chegaram a liderar esta corrida, mas caíram nas derradeiras rondas para terminarem a cinco pontos dos Dragões.
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Mesmo nos anos em que a qualidade não abundava no FC Porto, a equipa conseguia lutar de igual para igual com os rivais, pela sua garra, pela sua atitude, o que os adeptos chamam de ADN Porto. Algo que raramente se viu na época 2024/25, primeiro com Vitor Bruno e depois com Martin Anselmi.
Foi um ano com muitos problemas extracampo, como a troca de palavras públicas entre Vítor Bruno e Pepê, que continuou a treinar com o plantel, mesmo com um processo disciplinar interno. Ou, já com Martin Anselmi, a festa de anos de Otávio, que juntou vários jogadores do plantel até às tantas da madrugada, violando o regulamento interno do clube, logo após uma derrota e que muita ‘tinta’ fez correr.
Mundial de clubes: o último ‘prego no caixão’ de Anselmi
Terminado o campeonato, restava ao FC Porto ‘lavar a cara’ no recém ampliado Mundial de Clubes. O clube até ficou num grupo simpático, com Palmeiras, Inter Miami e Al Ahly do Egipto, pelo que passar aos oitavos de final era o requisito mínimo.
O FC Porto até teve algum tempo para preparar a prova, mas os sinais evidenciados não eram os melhores. A derrota frente ao Riga FC da Letónia deixou os adeptos muitos preocupados, principalmente pela forma como a equipa sofreu os golos: um jogo onde não se viu vontade, intensidade, querer, tudo o aquilo que faz parte do ADN Porto.
O primeiro encontro seria, na teoria, o mais difícil. O empate (0-0) salvou a exibição aquém do esperado, principalmente no segundo tempo onde o FC Porto não existiu ofensivamente. Era importante corrigir no segundo jogo diante do frágil Inter Miami, mas, depois de se apanhar a vencer, a equipa sofreu dois golos e foi incapaz de dar a volta.
O derradeiro jogo diante dos egípcios era a última esperança: era preciso vencer e esperar que o Inter Miami fizesse o mesmo diante do Palmeiras. A equipa de Messi até estava a ajudar (esteve a vencer por 2-0), mas o FC Porto não aproveitada: empatou 4-4 como o Al Ahly, num jogo caótico onde permitiu várias oportunidades aos egípcios e onde podia ter sofrido oito a 10 golos, tantas foram as oportunidades flagrantes dos africanos.
A quente receção à comitiva portista no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, com lenços brancos e pedidos de demissão, anunciava o que há muito se esperava: não havia condições para a continuidade de Anselmi.
O treinador veio com as suas arrojadas ideias para colocar o FC Porto a jogar um futebol de ataque, mas nunca conseguiu. O melhor que conseguiu foram três vitórias seguidas e o máximo alcançado de golos num jogo foram os 3-0 ao Nacional.
À Anselmi faltou tempo para implementar as suas ideias (uma pré-época) e ter jogadores de qualidade capazes de as executar.