Henrique Calisto é um dos nomes que pode sair presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF), nas eleições do dia 31 de maio. O ex-treinador quer suceder a José Pereira, o homem que lidera o órgão associativo de forma consecutiva desde 2013.
Numa entrevista ao SAPO Desporto, Henrique Calisto explicou as suas ideias para a ANTF e como pretende resolver os problemas atuais, nomeadamente acesso aos cursos de terceiro e quarto nível de treinador.
Calisto quer ainda dar mais protagonismo aos treinadores dos escalões inferiores, principalmente em questões laborais.
Nesta entrevista exclusiva, o candidato da Lista A esclareceu a sua posição sobre o comando da Seleção principal de Portugal e explicou porque é contra um treinador estrangeiro a comandar a seleção das Quinas.
Henrique Calisto, um dos membros fundadores da Associação Nacional de Treinadores de Futebol, concorre para a liderança do organismo contra André Reis, candidato da Lista B.
SAPO Desporto: Porque quer presidir a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF)?
Henrique Calisto: “Porque sinto que tenho capacidade de coordenação, tenho um passado, um presente, um futuro e consegui juntar à minha volta uma equipa de profissionais de futebol que representam um leque diversificado dos agentes treinadores nas várias vertentes: futebol feminino, futsal, e o futebol de praia, que terá um representante na Direção pela primeira vez.”
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SAPO Desporto: Quais são os eixos do seu programa?
Henrique Calisto: “O programa da Lista A está assente em cinco eixos de ação: Organização Interna; Formação e Certificação dos Treinadores; Defesa do Treinador e Valorização da Classe; Responsabilidade Social e Participação Cívica e, por fim, a Promoção do Treinador Português no Mundo. Mas destacaria, na organização interna, a revisão estatutária. Queremos rever a duração de um mandato, o limite dos mandatos, e o método eletivo, permitindo que a eleição seja descentralizada. Isto é fundamental e asseguro que esta alteração estatutária se fará no primeiro ano do mandato. Vamos também criar um Conselho Técnico com ‘experts’ em cada assunto que queremos debater: futebol de praia, futebol feminino, quadros competitivos, etc; vamos apoiar-nos no Conselho Consultivo também para estas matérias. Queremos criar um gabinete de saúde mental e de desenvolvimento pessoal do treinador, um gabinete de comunicação e imagem, porque é fundamental termos uma comunicação que seja abrangente. Temos planos de criar ainda um observatório de desenvolvimento das profissões do treinador e um serviço de apoio e desenvolvimento de carreiras.”
Eu não concordo que um treinador exerça funções sem as habilitações necessárias. É a mesma coisa que eu ir a conduzir um carro sem carta. Só porque conduzo bem não preciso de carta?, questiona Calisto
SAPO Desporto: Quando apresentou a sua lista, garantiu que não era uma “candidatura de rotura”. Está satisfeito com o trabalho da direção liderada por José Pereira?
Henrique Calisto: “Também disse que não somos uma candidatura de continuidade. Aliás, o nosso lema é mesmo ‘Por uma mudança responsável’. Aquilo que disse foi que dirigentes diferentes têm procedimentos e soluções diferenciadas. Temos uma lista em que 63% dos candidatos não estavam na anterior Direção. Ou seja, assumimos que queremos uma mudança, mas uma mudança tranquila, mantendo alguns treinadores da direção anterior porque o passado é que suporta o presente e o presente é que vai construir o futuro. Não posso esconder que não concordei nem concordo com tudo o que foi feito no passado pela Direção de José Pereira, mas também não posso simplesmente assumir que tudo o que foi feito, foi mau.”
SAPO Desporto: Uma das críticas que têm sido feitas por muitos treinadores a esta direção da ANTF liderada por José Pereira são as várias queixas apresentadas pela mesma contra treinadores. Não devia a Associação proteger a classe? Como é que ir contra um associado é defender a classe?
Henrique Calisto: “Vamos por partes: existe uma legislação em vigor, e se existe tem de ser cumprida e respeitada. Não sei se sabem, mas a quem compete, por exemplo, a fiscalização é à ASAE e aos organizadores das provas, que têm de fiscalizar se há cumprimento do regulamento das competições. A ANTF tem de ser defensora da lei e se ela exige que os treinadores tenham o IV nível para serem treinadores principais da Liga… O problema tem é de ser resolvido a montante. Porque isso só acontece face à dificuldade em aceder aos cursos de nível III e IV. Essa é a forma lógica e legal de resolver. Eu não concordo que um treinador exerça funções sem as habilitações necessárias. É a mesma coisa que eu ir a conduzir um carro sem carta. Só porque conduzo bem não preciso de carta? Agora, quanto à forma de cumprir a lei, aí tenho efetivamente uma visão diferente do que tem sido feito: quem de direito é que deve fazer cumprir o regulamento.”
SAPO Desporto: O que fará de forma diferente da atual direção de José Pereira?
Henrique Calisto: “O nosso programa estabelece uma série de medidas distintas daquela que foi a atuação da Direção de José Pereira tendo em vista a abordagem e os objetivos definidos para o futuro da associação. Por exemplo, o reforço na formação e certificação de treinadores, a revisão dos conteúdos programáticos e a criação de manuais digitais, atualizando os programas dos cursos de treinador de futebol, futsal e futebol de praia, promovendo uma formação mais moderna e acessível; redefinir os critérios de acesso ao curso de nível IV e reduzir os seus custos, ou seja tornar a formação de alto nível mais acessível e inclusiva; queremos implementar uma revista trimestral; defender os direitos laborais dos treinadores de escalões inferiores e da formação; atualizar os estatutos; criar novos serviços de apoio… Enfim, aquilo que propomos é no fundo uma abordagem proativa e reformista da ANTF com vista à sua modernização. Pegando no que de bom se fez, melhorando e fazendo diferente em matérias que exigem uma renovação imediata face às novas tecnologias, à necessidade de atualização para enfrentar os desafios contemporâneos da profissão de treinador.”
O IPDJ obriga, a um período de latência de dois anos, entre o III e o IV níveis. Dois anos a treinar. E isso é um erro porque a UEFA exige só um ano. Estamos a matar-nos a nós próprios, frisa Calisto
SAPO Desporto: A outra lista, liderada por André Reis, apresenta uma visão diferente e acusa a sua candidatura de continuidade. Que comentário tem a fazer?
Henrique Calisto: “São comentários que ficam com quem os faz. Costumo dizer que queremos construir pontes e não muros. Queremos a mudança, mas uma mudança tranquila. Uma mudança responsável. É esse o nosso lema. O que a outra lista diz sobre isso… não comento.”
SAPO Desporto: Um dos grandes problemas atuais dos treinadores são os acessos aos cursos de nível 3 e 4. O que propõe para resolver essa questão?
Henrique Calisto: “Temos de aumentar a oferta educativa na atribuição do Grau 3 e do Grau 4. Neste momento há 15 mil treinadores creditados e em funções e as vagas são cada vez menos, porque só é exigido o quarto nível para treinar na Liga. Mas temos de ter em conta qualquer treinador tem ambições e o sonho de chegar ao topo. No 3.º nível já se deram passos importantes. Até este ano, só havia um curso por ano, este ano há três, para o ano haverá cinco. Mas nós queremos que haja ainda mais cursos. Por exemplo, tal como acontece com os cursos de 1.º e 2.º nível, que são descentralizados e dados pelas associações, pretendemos que também o curso de 3.º nível possa ser ministrado pelas associações. O UEFA Pro é uma coisa totalmente diferente. Há uma convenção assinada pelos 55 países da UEFA que determina que o UEFA Pro só é dado de dois em dois anos. Alguns treinadores vão à Escócia, mas lá é exatamente igual, só que não existe tanta procura como cá. Em 2021, por exemplo, houve três cursos UEFA Pro no mesmo ano, mas com autorização da UEFA. Aquilo que temos de procurar é pedir para que se faça pelo menos um e, se possível, dois cursos UEFA Pro por ano. Mas a nível interno, também existem outras barreiras que temos de conseguir alterar: Por exemplo, o IPDJ obriga, a um período de latência de dois anos, entre o III e o IV níveis. Dois anos a treinar. E isso é um erro porque a UEFA exige só um ano. Estamos a matar-nos a nós próprios. A exigência do IPDJ suplanta a exigência da UEFA, que já é muita. É isso que temos de exigir para mudar a regulamentação.”
SAPO Desporto: Além da questão do acesso aos cursos de nível 3 e 4, quais são, na sua opinião, os principais problemas da classe neste momento?
Henrique Calisto: “Temos de continuar a defender a valorização do treinador português. E para dar formação aos treinadores… precisamos de formadores. Ou seja, também é necessário criar uma formação para formadores. Se queremos aumentar o número de cursos, precisamos de mais professores, de manuais atualizados, novas tecnologias. E neste momento não há nada disso. A situação em que muitos jovens treinadores dos escalões secundários e formação também são preocupação. Tratam-se, na grande maioria, de treinadores com salários muito baixos, sem direitos e por isso é urgente defender a alteração das leis e regulamentação de cariz laboral, na salvaguarda dos direitos dos treinadores, nomeadamente o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo, da Formação e da Intermediação. Por outro lado, temos de também de encetar protocolos com entidades como a AICEP, embaixadas, etc. para promover e valorizar o futebol português no mundo.”
SAPO Desporto: Disse que quer dar voz aos técnicos dos escalões inferiores e da formação que em diversas situações, estão arredados dos seus direitos laborais. Tem exemplos? O que se passa com os treinadores dos outros escalões e da formação?
Henrique Calisto: “Na Liga I e Liga II os treinadores estão salvaguardados pelo contrato coletivo de trabalho da Liga. Mas nos outros escalões isso não acontece. Têm contratos precários, são mal remunerados e na grande maioria sem direitos. Daí essa necessidade de defender a uma nova regulamentação de cariz laboral, nomeadamente no Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo, da Formação e da Intermediação. É também a pensar nos treinadores mais jovens, possuidores do grau I e II, que propomos criar uma bolsa de estágios de curta duração junto dos treinadores e treinadoras da 1ª e 2ª Ligas de Futebol (masculinos e femininos), Futsal e Futebol de Praia, e também do estrangeiro estimulando-os, pelo contacto com outras realidades a prosseguirem o seu processo formativo.”
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SAPO Desporto: A edição 2024/25 da I Liga ficou marcada pelo elevado número de despedimentos, havendo equipas que trocaram três vezes de equipa técnica ao longo da época. É algo que o preocupa? Consegue encontrar justificações para tantos despedimentos?
Henrique Calisto: “Trata-se de uma questão cultural, reflexo de uma mentalidade que exige resultados imediatos. É algo que me preocupa e deve preocupar todos os agentes desportivos. Não é admissível que um clube tenha quatro treinadores por época. A cada substituição, é como começar de novo. Não me parece que seja algo que em termos legislativos tenhamos capacidade para alterar. Mas temos de ter capacidade reivindicativa e de consciencialização para que os resultados das chicotadas não têm reflexo concreto no rendimento das equipas.”
SAPO Desporto: Numa das suas intervenções disse que a Seleção A devia ser orientada por um treinador nacional e não por um estrangeiro. Porquê? Isso quer dizer que os treinadores portugueses não deviam ser selecionadores noutros países?
Henrique Calisto: “Não confundamos as coisas. A Seleção Nacional é um patamar e uma montra da qualidade dos nossos jogadores e dos treinadores. Temos ou não temos os melhores treinadores, dos melhores do mundo? Creio que todos concordam que sim. Com provas dadas em todo o mundo. Então se somos bons lá fora, não servimos para a nossa Seleção? Tendo os melhores do mundo, sendo a Seleção um símbolo do que somos capazes, se só jogadores portugueses (ainda que naturalizados, alguns) podem jogar na seleção, porquê contratar um treinador estrangeiro? Temos uma dúzia de treinadores portugueses que são credenciados para esse cargo. Se a Seleção representa o País, porque não deve ser o selecionador português? Não vejo qualquer motivo de polémica nisto, simplesmente digo que se tivesse capacidade de escolha, escolheria um português, sem demérito para os outros. Eu já fui emigrante, não é nada contra imigrantes, não é um patriotismo bacoco, é lógica e usarmos a seleção como um patamar mundial de afirmação do treinador português. Ninguém se esquece do Otto Glória no Mundial de 66, mas era uma outra realidade. Se Portugal vencer um Campeonato do Mundo, o treinador será sempre lembrado e espero que fique ligado a um técnico português. Assim como não faz sentido dizer-se que então os portugueses não poderiam ser selecionadores noutros países… como assim? Os treinadores portugueses que são e já foram selecionadores, como eu já fui, estávamos em países onde a craveira dos treinadores não tinha a capacitação que nós temos. Porque se somos os melhores do mundo, é normal que em países com escolas mais fracas nos venham buscar também para que os treinadores locais possam aprender connosco. Sinceramente, digo que na atualidade em Portugal temos treinadores que estão a um patamar bastante elevado, acima dos estrangeiros que têm vindo para a Seleção.”
SAPO Desporto: A sua lista apresenta nomes de peso do futebol nacional. José Mourinho, Jorge Jesus, Fernando Santos, Carlos Queiroz, Manuel Cajuda ou Vítor Manuel farão parte do seu Conselho Consultivo. O que fará este órgão, caso seja eleito? Como poderá ajudar a classe?
Henrique Calisto: “Tratam-se de treinadores que pelo seu conhecimento e experiência do futebol nacional e mundial, integrarão o Conselho Consultivo que terá por missão elaborar e emitir pareceres sobre assuntos relevantes do futebol e da nossa classe.”
SAPO Desporto: A outra lista, liderada por André Reis, criticou a sua, apelidando-a de continuidade. Que comentário tem a fazer sobre as ideias do seu adversário nas eleições do dia 31 de maio?
Henrique Calisto: “Não comento as ideias do meu rival, porque a maioria delas não são exequíveis. Quanto ao tema da continuidade… creio que já respondi aqui a essa questão.”